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Escrivães avaliam sonho da carreira e a dura realidade ao exercício da profissão

31/08/2017

Diferente do momento nostalgia vivido ao ser aprovado em concurso público, a rotina de trabalho acaba frustrando o servidor público diante da burocracia existente

Muitos brasileiros nutrem o sonho de passar em concurso público. Uma forma de garantir o futuro com emprego estável e salário permanente. Na carreira policial não é diferente. Os desafios são tão grandes, quanto o desejo da aprovação e ato de posse. Com o passar do tempo, o sonho da carreira promissora se mistura aos dribles necessários para o bom desempenho profissional. Isto porque a burocracia existente impede os avanços e, consequentemente, a execução dos serviços públicos com qualidade ao cidadão.   

?? assim que o servidor público Davi Nogueira, presidente do Sindicato dos Escrivães de Polícia Judiciária Civil ??? Sindepojuc, relata a sua vivência nos 10 anos de carreira, tendo que enfrentar uma verdadeira maratona para conseguir exercer com maestria as tarefas enquanto escrivão da PJC.

???Dificilmente uma pessoa que tem experiência profissional somente na iniciativa privada entenderá o serviço público, que tem se tornado cada vez mais burocrático como forma de evitar fraudes e corrupções. Isso acaba engessando demais a prestação de serviço e o encarece também???, afirma Davi. Ele cita como exemplo quando uma impressora quebra, na iniciativa privada, em questão de horas esse problema é resolvido. Já no setor público é bem diferente. Segundo ele, há pouco tempo atrás, quando isso acontecia numa delegacia, o fato era relatado à diretoria e o conserto demorava mais de 15 dias, pois o processo instaurado para liberação do conserto é moroso e burocrático.

???Mesmo que o servidor tenha boa vontade de atender bem ao público, é impedido diante da burocracia. ?? essa a situação que enfrentamos e não conseguimos vislumbrar antes do ingresso na carreira???, esclarece Davi Nogueira.

A escrivã Gabriella Cristina de Mello Amorim também relatou os desafios que enfrenta. Lotada no interior de Mato Grosso, em Bom Jesus do Araguaia, comarca de Ribeirão Cascalheira, disse que a paixão pela profissão renova as forças para trabalhar em meio às dificuldades. Lembra que no início da carreira, a grande demanda exigia a permanência direta no plantão. Com a oportunidade de remoção de cidade, as dificuldades continuaram na Delegacia de Canarana, também sem infraestrutura adequada.

???A burocracia é muito grande, tanto no Poder Judiciário e Ministério Público, quanto na própria instituição. A gente não consegue efetivo necessário para atender a demanda. Falta infraestrutura mínima para o trabalho ser bem feito, como instalações elétricas e físicas para comportar o servidor para o bom atendimento. Então, hoje sei que o sistema é engessado e que o atendimento ao cidadão não depende apenas do servidor, mas de todo o contexto, que impede agilidade e eficiência nos órgãos públicos???, explica Gabriella.

A mesma tese é defendida pelo escrivão Glauco Orsine Travaglia, que também sonhou com a carreira no serviço público e atua em Água Boa.

???Confesso que o sonho de fazer parte da Polícia Civil perdurou por toda minha faculdade de Direito. Quando finalmente consegui ser habilitado para entrar no tão sonhado cargo comecei a me deparar com a crítica realidade???, frisa Travaglia.

Para ele, a frustração começa no ingresso da carreira quando os aprovados têm que arcar com os gastos na fase da academia, mesmo sendo garantido por direito a bolsa auxilio nessa fase, não foi cumprido. Na sequência, aparecem a falta de materiais, equipamentos didáticos, armas, coletes à prova de balas e algemas.

???Foi um choque! O que faríamos? Não tinha mais a quem recorrer pois todos da administração pública diziam a mesma coisa: estamos resolvendo isso. Percebi que os servidores não queriam mostrar de imediato a realidade para os novatos, para não desmotivar de início, porém já fui logo percebendo a inércia do Estado, ao ponto de presenciar servidores se desdobrando para conseguir uma sala e um computador para que começassem a trabalhar, sendo este computador montado com partes de outros estragados. O que me sustentou foi o prazer de ter colegas de trabalho pacientes para enxergar o lado bom de tudo e nunca desistir. Não precisei muito tempo para perceber que o Estado literalmente abandonou os servidores do interior, e como prova convido qualquer um para participar da rotina de uma Delegacia do interior e conhecer o que é abandono???. afirma Travaglia, ao acrescentar que nem acesso à Internet de qualidade para o trabalho investigativo existe.

Hebliuz Mello, escrivão lotado em Nova Xavantina, também recorda a euforia ao passar no concurso e a frustração diante dos desmandos do governo. ???Você que acha que muita coisa está errada, assim como eu, não fale sobre o que você não sabe. A culpa do exponencial aumento dos índices de criminalidade do país não é da Polícia. Na iniciativa privada os gestores atendem a um determinado ???bom senso empresarial???, fornecendo aos seus colaboradores um mínimo necessário para que esses desempenhem seu papel e cumpram suas funções. Diferentemente, para minha surpresa, no Estado não é assim. Existe uma diferença muito grande entre a realidade e a expectativa. Há muita burocracia e os trâmites, de igual maneira, também são muitos. Os problemas são estruturais.  Esse relato serve, de certa maneira, para esclarecer e mostrar um pouco do que a maioria das pessoas não sabe: que muitas vezes o funcionário público paga para trabalhar, corre riscos desnecessários, expõe sua família e amigos e, ainda, é comparado a marajás, o que é um ledo engano???, finaliza.

 

 

 

 

 

ITIMARA FIGUEIREDO ??? Assessoria de Imprensa